quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Sentado sobre o meio-fio

Sentado sobre o meio-fio de uma rua qualquer, de uma cidade qualquer, com a cabeça baixa entre as mãos, ele estava desesperado. Não sabia mais para onde ir, a quem recorrer, o que fazer. Parecia ser o fim. O fim de uma travessia difícil, porém necessária. E ele, que tanto queria ser independente, independente do pai, da família, do patrão, do mundo... Depois de todos os sacrifícios para conseguir sua liberdade, sua independência, ali estava. Que situação! Jamais havia pensado em cair tão profundamente. Sua mente borbulhava, parecia estar em uma caldeira fervente, prestes a explodir. Agora nada mais importava. Tudo estava perdido – o trabalho, o almejado sucesso, a família... Sim, a família, que em breves lampejos vinha-lhe à mente. A família tão rejeitada, com seus pudores, sua moral, sua disciplina, ao mesmo tempo que parecia distante, teimava em se mostrar, em se apresentar, como se o chamando de volta. Mas logo ele balançava a cabeça num esforço para expulsar essa imagem que fizera questão de deixar para trás. E, novamente, lá estava ela, tão viva, mais viva que antes. Na verdade, ele nunca conseguira, de fato, esquecê-la totalmente. Estava nele, era parte dele, não importava para onde fosse. Estava sempre presente em seus menores gestos, nas menores decisões que tomava. A lembrança era forte e fugidia. Rápida vinha, rápida desaparecia. E o conflito estava formado. E ele, ali, naquele lugar desconhecido. As pessoas que passavam ocasionalmente eram apenas vultos que se desvaneciam. Não conseguia se fixar em um rosto, em uma conversação dos passantes, daqueles que próximo a ele paravam por um motivo qualquer. Pareciam até não percebê-lo. Ele sentia-se ignorado, como se não existisse, como se as pessoas não pudessem vê-lo. Sim, era assim que se sentia. Tudo estranho, muito estranho. Há quanto tempo estava andando? Perdera a noção do tempo. Às noites sucediam-se os dias. Após a escuridão vinha sempre a luz. Luz tênue, fraca. Estaria com problemas de visão? É, deve ser isso. Sempre tivera boa saúde, nunca necessitara consultar um médico. Não iria fazer isso agora - confabulava consigo mesmo. As dúvidas vinham-lhe à mente. As lembranças batiam-lhe forte. ”Laurinha! Onde estará Laurinha? Amávamos-nos tanto. De repente, desapareceu. Aliás, parece que todos, em questão de segundos, desapareceram de minha vida. Fiquei só. Como isso pôde acontecer? Que aconteceu? A última coisa que me lembro é que atravessava uma rua. Havia uma passarela próxima, mas eu estava com muita pressa. Não sei para onde ia. Não me lembro. Será que perdi a memória? Não, isso não é possível, pois me lembro das pessoas, dos meus desejos. Não, não foi isso. Se não é isso, então, o que acontece comigo?”
No meio de sua confusão mental, ele ouve um som conhecido, não um som qualquer, desses que se houve comumente nas cidades. Porém, um som especial. Para ele, na realidade, soa como uma música. É um som contínuo de ferro, parece ser de uma roda girando sobre a calçada. Sim, é isso. Ele levanta a cabeça e vê, passando a sua frente, um garoto fazendo girar uma roda de ferro por meio de um bastão de madeira. Parece que, nesse momento, ele é arremessado ao passado. E vê-se em outro lugar, numa pequena rua. Agora é ele mesmo quem brinca com uma roda de ferro, quem a faz girar. Criança, apressa o passo, a roda vai mais rápido. Ele se sente voando, girando no ar. Alguém brinca com ele, gira-o, e ele ri, não quer parar. Parece estar no céu, levitando, parece balançar pelos braços de Deus. Sim, para ele é Deus. Um homem forte, de estatura mediana, cabelos grisalhos, abraça-o; os dois sorriem. Não vê o rosto do homem, mas bem conhece aqueles braços, aquelas mãos, aquele sorriso. Novamente se transporta. Está levando um caminhão de brinquedo. É a sua alegria. Seu pai o fizera. Começa a puxar o caminhão por um barbante e tropeça e cai e chora. Chora de cabeça baixa. O caminhão está quebrado. Para ele é o fim. Desespera-se, junta os pedaços de seu brinquedo, não se contém. Chora ainda mais. Chora da dor, chora da perda. Uma mão dele se aproxima, é uma mão forte, é uma mão conhecida. Ele levanta a cabeça, sorri e estende seus braços. Braços carinhosos o envolvem restaurando-lhe a esperança, trazendo a seu coração o sorriso antes perdido. De olhos fechados, deixa-se envolver e sonha. Agora está sentado sobre o meio-fio de uma calçada, em uma rua desconhecida. Sem esperança, sem sorriso. O garoto da roda já vai longe. Seus sonhos estão no chão, em pedaços. Ele os recolhe, tenta juntá-los. Desespera-se. De braços sobre a cabeça, chora. Uma mão conhecida, querida, mostra-se para ele e, num gesto impensado, atira-se aos braços amigos sem ver-lhe o rosto. Sente que a esperança voltou. O sorriso antes adormecido acordou em seu coração. Abre os olhos e vê a luz, a luz do dia, a luz da vida. Recebe-a sobre si e por ela se deixa envolver. A dor, a desilusão, o desespero, não os sente mais. Sente-se girando, arremessado ao espaço, flutuando.

José Roberto Alves de Albuquerque

Nenhum comentário: